Mark Twain, escritor e humorista norte americano, dizia para “nunca deixar para amanhã o que você pode fazer depois de amanhã”. Brincadeiras à parte, como é que a procrastinação pode ser algo bom? Pois é, eu também tive essa mesma dúvida na primeira vez em que li a respeito.
Antes de prosseguir, contudo, gostaria de ressaltar que não estou aqui colocando no mesmo barco todos os procrastinadores. Há procrastinadores e Procrastinadores (assim mesmo, com “P” maiúsculo). Há pessoas que têm uma procrastinação dentro da normalidade e outras que já passaram um pouco do ponto e necessitam de ajuda especializada. Neste artigo, estamos tratando do primeiro caso.
É interessante notar que, historicamente, a procrastinação não era vista como algo ruim por gregos e romanos, como disse Frank Partnoy em seu livro “Como Fazer a Escolha Certa na Hora Certa”. Os líderes mais sábios abraçavam a procrastinação e, basicamente, ficavam contemplando e pensando, só tomando alguma ação quando absolutamente necessário.
Essa noção moderna negativa para a procrastinação veio depois da era dos Puritanos e dos seus sermões contrários a ela.
O livro “Originais – Como os Inconformistas Mudam o Mundo”, de Adam Grant, foi primeiro lugar na lista do The New York Times e traz um capítulo muito interessante sobre a procrastinação. Adam Grant é bacharel em psicologia por Harvard, com PhD pela Universidade de Michigan e se tornou professor da Wharton.
Para início de conversa, Grant identificou que as pessoas “originais”, que realizaram (ou ainda realizam) grandes feitos na vida, possuem experiências interiores muito parecidas com as nossas. Ou seja, elas sentem os mesmos medos e apresentam as mesmas dúvidas que nós temos. O que as faz diferentes é que, mesmo convivendo com essas dúvidas e medos, elas resolveram partir para a ação. Elas têm plena consciência de que fracassar lhes traria menos frustração do que nem tentar.
Grant desmistificou crenças comuns sobre o momento ideal, mostrando os benefícios inesperados de adiar o início e conclusão de uma tarefa. Ele discutiu por que a procrastinação pode ser tanto uma virtude quanto um vício.
Ocorre que a procrastinação pode ser simplesmente um tempo para pensar melhor e amadurecer as ideias. Em 1927, a psicóloga russa Bluma Zeigarnik mostrou que as pessoas param de pensar numa tarefa uma vez que ela foi concluída. Porém, quando a mesma tarefa foi interrompida ou deixou de ser concluída, aquela mesma tarefa fica latente em nossa memória, fazendo com que nossa mente divague sobre ela. É aí que, muitas vezes, mora a criatividade.
Falando em criatividade, Grant comentou também que o tempo em que Steve Jobs estava adiando ou considerando possibilidades era tempo bem gasto, permitindo que ideias divergentes fossem trazidas para a mesa. Isso é justamente o oposto de seguir de cara com a opção mais convencional, mais óbvia e mais familiar. A criatividade não pode ser apressada.
Leonardo Da Vinci, um dos maiores inventores da história, era um grande procrastinador. Ele começou a pintura da Mona Lisa por volta de 1503 e só foi concluir próximo da sua morte, em 1519.
Os seus críticos achavam que ele estava perdendo tempo com as experiências ópticas e outras distrações que o impediam de concluir os seus quadros. Mas essas distrações foram fundamentais para imprimir a sua marca na história da arte.
Fora a Mona Lisa, Da Vinci gastou cerca de 15 anos desenvolvendo ideias (enquanto trabalhava em outros projetos) para outro de seus quadros: A Última Ceia.
Não obstante ele se irritasse constantemente com a própria procrastinação, Da Vinci sabia que a originalidade não podia ser apressada. Percebia que os gênios às vezes realizam mais quando trabalham menos, já que estão pensando em inovações e maturando as ideias.
Sem dúvida que uma diferença brutal entre Da Vinci e um procrastinador sem sucesso é que o primeiro enfrentava a sua tendência à procrastinação, realizando os seus projetos. Acredito que fica aqui uma dica a todos nós que padecemos, em maior ou menor grau, do mesmo “problema”.
A questão é, em meio às dificuldades e postergações, não desistir, não esmorecer, mas simplesmente persistir. Não é porque você caiu que não possa se levantar. Não tenha medo e nem vergonha de cair. Tenha medo e vergonha de não se levantar, de permanecer caído e prostrado. A vida está longe de ser uma linha reta rumo ao sucesso, como muitos persistem em acreditar.
Além de dar o tempo necessário para gerar ideias inovadoras, a procrastinação tem o benefício de nos permitir o improviso criativo.
Em um dos discursos mais famosos da história americana, o presidente Abraham Lincoln, em Gettysburg, com apenas 272 palavras redefiniu a Guerra Civil como uma luta pela liberdade e igualdade.
Apesar de ter sido convidado para o discurso duas semanas antes, Lincoln tinha escrito apenas metade dele antes da viagem à Gettysburg. O seu secretário, John Nicolay, disse que Lincoln estava apenas seguindo o seu já conhecido método, de organizar os pensamentos e moldar as suas frases mentalmente até que tomassem uma forma satisfatória, quando, então, ele as redigia. E foi assim que Lincoln escreveu o último parágrafo somente na noite da véspera e só o finalizou na manhã do discurso.
O que muitos não sabem é que talvez um dos discursos mais famosos do século passado, de Martin Luther King Jr., também foi “inspirado” pela procrastinação do autor famoso. A frase “eu tenho um sonho” não constava do seu discurso escrito.
Embora a Marcha em Washington por Trabalho e Liberdade (1963) tivesse sido anunciada para a imprensa dois meses antes, King só começou a escrever o discurso depois das 10 horas da noite na véspera. Ele trabalhou a noite inteira e sabia da importância da oportunidade, já que era aguardada uma multidão de mais de 100 mil pessoas (efetivamente, foram 250 mil pessoas e outros milhões de telespectadores). Ele sabia que precisava ser inspirador.
Enquanto caminhava até o púlpito para o famoso discurso, ele ainda revisava mentalmente suas palavras. Minutos antes de falar, ele estava ainda cortando frases e rabiscando outras.
O discurso dele começou e quando já durava 11 minutos, Mahalia Jackson, sua cantora preferida, gritou para que King lhes falasse do seu sonho. Então, seguindo a recomendação, ele compartilhou o sonho e o ponto é que King adicionou tanto material novo ao texto original que o tempo da sua fala praticamente dobrou.
Ele pode ter postergado a redação do seu discurso mais famoso, mas tinha um leque de experiências e riqueza de material ao qual podia fazer referência a qualquer momento. Só no ano do seu discurso em Washington, ele deve ter viajado 450 mil quilômetros e feito mais de 350 discursos. Fora isso, ele já havia falado desse seu sonho em novembro de 1962 e, desde então, vinha falando no assunto com frequência. Ou seja, ele já tinha um repertório e a pergunta que nos fazemos é se o discurso teria tido a mesma repercussão se ele não tivesse improvisado.
Para concluir, podemos perceber que as pessoas mencionadas ao longo do texto não se deixaram abater pela procrastinação e nem pela ansiedade, mas souberam usar a calma, paciência, persistência e a própria procrastinação como ferramentas para melhorar o seu produto, serviço ou invenção.
Realmente, fica patente que elas souberam não somente conviver com a procrastinação, mas até a fazer bom uso dela, não deixando de prosseguir e continuar com as suas atividades. O arrependimento em não fazer algo é muito maior do que o arrependimento em fazer e não dar certo. Pense nisso.
Caso queira ler um outro texto sobre procrastinação, é só clicar no link abaixo:
https://icarreira.com.br/a-neurociencia-da-procrastinacao/