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Se for dirigir um negócio próprio, beba moderadamente da sua própria ambição.

autoconhecimento

 

Este texto parte de uma experiência pessoal, onde eu ainda trabalhava em uma empresa americana de embalagens quando tinha por volta de 26-27 anos de idade.

 

A vontade de crescer e de evoluir profissionalmente era tanta que eu comecei a buscar empresas para eu comprar, de forma que eu pudesse manter o emprego e administrar a empresa adquirida nas horas vagas.

 

Após alguma pesquisa em jornais e sites em Campinas (onde eu residia na época), achei uma oportunidade que me parecia interessante: uma pizzaria delivery conhecida pelos tamanhos de pizza muito maiores do que o padrão, que serviam até 6-7 pessoas. Um dos pontos positivos era o fato dela ser delivery, isto é, não ter mesas para servir no local e funcionar apenas à noite. Assim, eu poderia conciliar o meu emprego com o novo negócio. Os ex-donos estavam se separando e queriam se desfazer do negócio para cada um seguir a sua vida.

 

Comecei em maio de 2006 e, no início, as coisas iam relativamente bem. Eu conseguia me dividir entre o emprego e o negócio próprio, apesar de bastante cansaço em alguns dias. Lembro de um dia onde tinha dormido em Blumenau para estar em uma reunião em cliente no dia seguinte. Fui à reunião na região de Blumenau e depois peguei a estrada para Campinas (tinha ido de carro naquela ocasião). À noite, eu estava batendo ponto lá na pizzaria até as 23 h (hora em que eu a fechava), retornei para casa, chegando por volta das 24 h, para então dormir e acordar cedo e ir para o emprego, que ficava em Vinhedo.

 

Ah, e tem um detalhe importante: na época, eu ainda namorava a minha esposa e ela morava em Caxias do Sul (RS). Eu costumava ir para lá 2 vezes ao mês: um final de semana sim e outro não.

 

Com o passar dos meses, surgiu a chance de comprar mais uma pizzaria delivery da mesma rede da minha primeira, o que eu não deixei passar. Agora, eu contava com a ajuda do meu irmão para administrar as pizzarias.

 

O negócio caminhava bem, obrigado, e nós víamos muitas oportunidades de crescimento, novas lojas e franchising. Fizemos parcerias com outros negócios, como escolas de inglês e locadoras de vídeo (sim, naqueles tempos isso ainda existia!). O faturamento evoluía, o lucro também, contratamos mais funcionários, readequamos o cardápio, refizemos toda a identidade visual da marca, enfim, fizemos muitas modificações importantes.

 

No meu emprego, as coisas também iam bastante bem, a ponto de eu ser chamado para passar metade do mês aqui no Brasil e a outra metade na Argentina, de forma a replicar o trabalho de prospecção que tinha feito aqui no Brasil.

 

Nessa hora, eu gelei, já que isso seria abdicar do negócio próprio, o qual estava indo de vento em popa. Eu já tinha a ideia de empreender antes dos meus 30 anos, pois achava que era o momento ideal para arriscar e, dando errado, eu poderia me recuperar, pois não estava casado e nem tinha filhos.

 

Foi aí que eu comuniquei a empresa sobre o negócio próprio e que eu agradecia pela oportunidade, mas que gostaria de me dedicar ao meu empreendimento. A empresa recebeu numa boa a notícia, entendeu perfeitamente, e fiquei por lá em transição de janeiro a maio de 2007. Ajudei a contratar a pessoa para me substituir e tudo o mais.

 

Nesse período de transição, eu comecei a verificar a oportunidade de montar uma terceira pizzaria em um outro bairro de Campinas. Apareceu uma casa bem localizada em uma avenida de grande movimento e eu a aluguei. Fiz uma bela reforma e em cerca de 3-4 meses, a casa estava inaugurando. De maneira que, quando eu saí do emprego, eu já possuía 3 lojas em funcionamento.

 

É verdade que as 2 primeiras lojas iam bem, mas esta terceira não engrenou tão rapidamente como eu gostaria. O fluxo de caixa dela não era deficitário, mas também não era superavitário, e eu precisava, de vez em quando, tirar parte do meu lucro das outras 2 para cobrir as despesas da terceira. Mas as perspectivas eram de logo, logo, as coisas melhorarem e eu passar a ter um lucro considerável na terceira também. Afinal, as 2 primeiras era lucrativas e a localização, bem como layout da terceira loja eram bem melhores.

 

Em paralelo a tudo isso, a concorrência de outras pizzarias em Campinas com esse tipo de pizza (de 50 cm a 70 cm de diâmetro, contra o tamanho padrão de 30 cm) só crescia, e eu e o meu irmão (sócio) tínhamos o receio de perder o mercado e a oportunidade de transformar o negócio em uma franquia de sucesso. Era mais ou menos como essas ondas de negócios que vêm e vão, como por exemplo os sorvetes de iogurtes, paletas mexicanas e tantos outros que aparecem de tempos em tempos, abrindo lojas como se fossem coelhos em reprodução, e depois deixando um rastro de falência e prejuízo, além de muita dor (e aprendizado!).

 

Foi assim que nós decidimos abrir uma quarta loja em um distrito de Campinas, distante do centro, mas cheio de estudantes de universidades e com pouca concorrência. Queríamos marcar o território e capitalizar a nossa marca antes que outros o fizessem.

 

O problema é que esta quarta loja era bem deficitária, muito por conta do aluguel que era o mais alto de todas as lojas. Isso é interessante de comentar, porque as pessoas pensam que o custo de uma pizza é muito baixo e as margens são muito altas. Ledo engano! O maior custo não é dos alimentos (o qual é mesmo baixo), mas sim do aluguel, salários dos funcionários e outras despesas para manter o negócio em pé.

 

Para ajudar, veio a crise financeira global de 2008 e, surpreendentemente, as pessoas pararam de comer fora. Passaram a gastar menos dinheiro em alimentação fora do lar. Assim, o comércio como um todo sentiu o baque e quem não tinha caixa sofreu bastante. Foi o meu caso. Aqui está um aprendizado da experiência empreendedora: no Brasil, quem não tem caixa, corre sério risco de quebrar, pois a insegurança do ambiente de negócios é brutal.

 

Nós nos pegamos em uma situação onde o faturamento caiu relativamente bem, as despesas eram as mesmas, e o prejuízo das 2 últimas lojas eram cobertos com o lucro menor das 2 primeiras.

 

Esta situação se prolongou por um certo tempo, cerca de 1 ano, e quando eu não via mais saída, decidimos eu e o meu irmão em vender as lojas. Lembro que esse período foi de um estresse profundo, como acho não ter sentido na minha vida. Viver sem saber se iria conseguir pagar as contas, as dívidas, os funcionários, caso o negócio fosse para o brejo, estava me tirando o sono e a tranquilidade.

 

É por isso que, quando vejo um novo restaurante aparecer aqui no meu bairro em São Paulo, todo arrumadinho, com donos engajados e motivados, cheios de esperança, para depois de alguns meses o negócio ser fechado ou passado o ponto, fico comovido. Sei da dor que eles devem estar passando.

 

Você pode me falar que se eles tivessem feito um plano de negócios, não teriam fechado as portas. Digo que a chance talvez diminuiria, mas existem fatores que são fora da nossa cogitação ou imaginação. Uma crise, por exemplo. Um desastre natural. Sei lá, existem tantas coisas fora dos nossos planos que podem acontecer.

 

A escolha do ponto é outra coisa que não é uma ciência exata. Ou seja, por mais que você se esforce e tente planejar tudo direitinho, há muitas coisas que estão fora da sua capacidade de entender. Você está tão acostumado a ver cisnes brancos, mas você sabe que cisnes negros existem. Só que de tão acostumado a só ver cisnes brancos, você uma hora se esquece que cisnes negros existem e aí um destes aparece só para te fazer coçar a cabeça. Quando você acha que sabe todas as respostas, mudam as perguntas!

 

Bom, mas vamos deixar os relatos de lado por um pouco e me permita comentar um pouco sobre alguns dos aprendizados com essa experiência toda que eu tive. A lista de aprendizados abaixo não tem a intenção de ser exaustiva. Com certeza, há outros aprendizados que, ou eu me esqueci de dizer, ou eu nem sei conscientemente que eu tive ainda. A verdade é que, ao passar por situações assim, você aprende. Muito. Estas vivências são verdadeiros MBAs para a vida. E, no meu caso, me abriu a mente para um pequeno detalhe que eu nem ligava (e até desprezava): autoconhecimento.

 

Após todo esses perrengues, eu comecei a buscar entender as razões porque o negócio próprio de pizzarias delivery não deu certo. E foi aí que eu iniciei a minha jornada de descobertas de quem eu sou, o que me motiva, o que eu faço de bom, no que eu preciso melhorar, qual o meu propósito etc.

 

Fiz 3 cursos de coaching (incluindo o master coaching), curso de practitioner em programação neurolinguística (PNL), curso em eneagrama, li dezenas de livros de autoconhecimento, pesquisei muito na internet, fiz uns 4-5 assessments para entender melhor sobre minha personalidade, valores e outros.

 

E comecei a me questionar o porquê de ter pizzarias, se isso nem era de fato o que tinha a ver com o meu perfil. Como eu já falei em outro post, o Viktor Frankl disse que quem tem um claro “porquê”, aguenta qualquer “como”. Se você tem muito claro qual é o seu propósito, as dificuldades e reveses da vida não te atingirão tanto assim. Você sofre o baque, mas se recompõe rapidamente, pois sabe para onde quer ir e porque está indo.

 

Aquela ambição desmedida e até egoísta que eu tinha me cegou quase que totalmente. E isso é um perigo para qualquer pessoa que acaba valorizando o dinheiro mais do que o propósito do negócio ou de vida. Se você faz um bom trabalho, o dinheiro pode vir como consequência. Note que eu disse “pode vir”, pois há negócios onde, por mais que você faça um excelente trabalho, aquilo não te trará dinheiro. E não há problema nisso, conquanto que a pessoa que esteja executando seja ciente e tenha como propósito de vida realizar aquilo.

 

Precisamos cuidar bastante para que os valores da sociedade, dos nossos amigos, pais ou conhecidos não nos tomem de assalto e se introjetem em nós, sem que estejamos conscientes disso (gosto deste tema de valores introjetado, mas fica para um próximo post). A valorização exacerbada ao dinheiro é um mal há séculos e acaba por cegar muitos em direção a uma realização pessoal e profissional profundas. Como diz o Tony Robbins (confira aqui um post onde falo sobre ele), ter dinheiro e não ter realização é o maior de todos os fracassos. E há pessoas que descobrem isso a duras penas.

 

Vivem em função de um destino e não da jornada. Não sabem que a vida não é um sprint, mas uma maratona (como você percebeu acima, eu achava que era um sprint!). Quando descobrimos que o bacana é curtir o momento presente, gostar do que se faz, fazer o que se gosta, independente do retorno financeiro, percebemos que não temos um emprego, um negócio ou uma carreira simplesmente: temos uma vocação.

 

Note que não estou aqui dizendo que ser ambicioso é ruim. De maneira alguma! O que estou dizendo é que ser ambicioso de forma egoísta é ruim. Isso nos cega e nos tira do prumo da vida. A vida é ajudar os outros, seja através da criação de empregos, seja através do seu emprego (que gera outros empregos), seja através de um produto ou serviço que você oferece à sociedade etc. É isso o que nos traz realização e satisfação.

 

Eu acredito que conhecer a si mesmo é um dos maiores investimentos que uma pessoa pode fazer em sua vida. Há coisas, aliás, que mereceriam uma matéria ou disciplina em separado no colégio. Por exemplo, liderança, empreendedorismo, networking, lidar com dinheiro e, claro, autoconhecimento. Nossas crianças e jovens sofrem por não se conhecerem direito. E depois acabam pagando o preço por isso.

 

Hoje, trabalhando em uma empresa, percebo o quanto faz diferença colocar as pessoas em funções que estejam adequadas com o seu perfil. Elas passam a desempenhar muito melhor quando passamos a explorar o que elas têm de melhor, ao invés de ficarmos cobrando elas o tempo todo para que sejam algo que elas deveriam fazer, mas que não está de acordo com a sua essência. Isso é muito crueldade com a pessoa.

 

Essa é uma outra vantagem do autoconhecimento. Quando nos conhecemos melhor, passamos a conhecer melhor o outro. Passamos a ter maior empatia com o outro, a ter maior compaixão dele. E, como num passe de mágica, as pessoas passam a gostar mais da gente, a nos respeitar mais etc. Mas, antes disso, nós mesmos passamos a gostar mais da gente. É como no avião, durante as instruções de segurança: quando as máscaras de oxigênio caírem, coloque primeiro a sua e depois a da pessoa ao seu lado. Primeiro, precisamos ter amor próprio, para depois dar amor aos outros. Amem o próximo como a si mesmos, disse Jesus.

 

Como comentei acima, não tinha a pretensão de ser exaustivo aqui nesse depoimento, mas quis trazer o ponto primordial na minha descoberta, que foi me conhecer mais e melhor. Acredito de coração que todo ser humano desejoso em viver com abundância, e não simplesmente sobreviver, deveria começar um processo de autoconhecimento. E esse processo é contínuo e nunca acaba. Mas certamente a sua versão depois de iniciar a caminhada será muito melhor do que a sua versão de antes do processo.

 

Por tudo isso, se for abrir um negócio próprio, conheça a ti mesmo.

Artur: Eu sou engenheiro formado na UNICAMP com MBA em Marketing e trabalho atualmente como Gerente de Mercado em uma empresa química alemã chamada Klüber Lubrication, pertencente ao Grupo Freudenberg. Sou Master Coach pelo Behavioural Coaching Institute (BCI) e Practitioner em Programação Neurolinguística (PNL) pela Sociedade Brasileira de PNL (SBPNL).