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Acordar cedo é mesmo essencial para uma vida de sucesso?

acordar cedo ou acordar tarde

 

Essa é uma discussão que vem tomando corpo ultimamente e noto que existe uma tendência a se exaltar o hábito de acordar cedo, enfatizando que esta atitude permite aproveitar melhor o dia, tomar um café da manhã nutritivo, fazer uma atividade física, entre outras coisas.

 

Cada vez mais, leio artigos de grandes publicações dando exemplos de grandes empreendedores, CEOs e personalidades que costumam acordar às 4 h ou 5 h da manhã, associando o sucesso daquelas pessoas à sua rotina de acordar cedo e serem produtivas. Pessoas como Barack Obama, Tim Cook (CEO da Apple), Richard Branson (fundador da Virgin) e outras são comumente citadas como exemplos nesse quesito.

 

Concordo em parte com essa visão, porque ela não leva em consideração o perfil ou a facilidade das pessoas em adotar uma rotina matinal e nem a atividade profissional/estudantil dos indivíduos.

 

Quanto ao perfil de cada pessoa, penso que corremos o risco de generalizar uma preferência (de levantar cedo) para indivíduos que não necessariamente possuem um cronotipo ou um ciclo circadiano (do latim circa – “aproximadamente” – e o termo “diano” se referindo a “dia”) compatível com a tarefa de acordar cedo. É sabido que há pessoas com maior facilidade em despertar de manhã bem cedo e outras com maior disposição a permanecer na cama até meados da manhã (senão até início da tarde).

 

O cronotipo de uma pessoa é a propensão dela dormir em uma determinada hora dentro de um período de 24 horas. Há pessoas que têm inclinação a ir dormir às 22 h. Outras vão ter sono lá pela meia noite. Outras irão para a cama na madrugada. Isso sem falar naquelas que possuem insônia, as quais não fazem parte do escopo deste artigo.

 

Em inglês, os indivíduos que possuem o hábito de dormir e acordar cedo são chamados de morning people (pessoas da manhã), lark (um pássaro chamado cotovia) e early birds (madrugadores). Na Escandinávia, eles são também chamados de pessoas tipo A, em oposição àqueles que dormem e acordam tarde, os quais são as pessoas tipo B.

 

Estas pessoas da manhã tendem a sentir mais energia logo cedo quando acordam. São aquelas pessoas que gostam de ir à academia antes de irem para o trabalho ou universidade. Preferem realizar as tarefas mais complexas do dia logo pela manhã, já que se sentem mais dispostas e com a capacidade cognitiva mais pronunciada.

 

O outro extremo é formado pelas pessoas noturnas (evening people), corujas da noite (night owls), simplesmente corujas (owls) ou então pessoas tipo B, como já mencionado acima. Normalmente, as pessoas noturnas permanecem acordadas até depois da meia noite e há algumas que só vão dormir quando o dia já está nascendo. Essas pessoas têm o seu pico de energia durante a noite.

 

É bem verdade que algumas dessas pessoas noturnas podem sofrer de uma desordem do sono (atrasado) e precisariam consultar um especialista para iniciar um tratamento. Da mesma maneira que há pessoas diurnas com uma desordem do sono avançado e que também requerem cuidados médicos.

 

É interessante notar que existem iniciativas em alguns lugares do mundo para acomodar as preferências das pessoas tipo B (ou noturnas). É o caso da sociedade B e outras ações nos países escandinavos e do Start School Later Movement (algo como “Movimento Inicie a Escola Mais Tarde”), nos Estados Unidos, onde as aulas iniciam mais tarde do que de costume para que os alunos “noturnos” possam ter uma vida mais saudável e produtiva. Confira mais em https://en.wikipedia.org/wiki/Start_School_Later_movement

 

Estudos mostram que as pessoas da manhã são cerca de 15% da população, as pessoas noturnas são 25% e as pessoas intermediárias representam os 60% restantes.

 

Se você tiver curiosidade para saber a qual tipo pertence, há um questionário que foi traduzido para o português e você pode conferir no link a seguir: https://www.cet.org/wp-content/uploads/2014/11/MEQ-SA-PT.pdf O original se chama “A self-assessment questionnaire to determine morningness-eveningness in human circadian rhythms” e foi publicado no International Journal of Chronobiology, em 1976, por Horne e Östberg.

 

Uma comparação bastante comum atualmente é sobre a inteligência, sucesso econômico e saúde entre os grupos dos extremos, pessoas da manhã e pessoas noturnas. Há uma profusão de estudos e pesquisas sobre o tema, mas algo muito curioso é que alguns estudos mostram vantagem para um grupo e outros estudos dão vantagem para o grupo oposto. Honestamente, penso que é difícil determinar a inteligência de um indivíduo baseado em suas preferências de sono. Não me parece muito razoável dizer que certo grupo é melhor do que o outro.

 

Outra discussão que existe é que pessoas que nasceram à noite têm tendência a se tornarem noturnas, enquanto pessoas que nasceram de manhã tendem a ser madrugadoras. Também acho que falta consistência maior para asseverar isso, apesar desta teoria contar com investigações científicas.

 

Fora isso, da mesma maneira que o grupo de madrugadores tem nomes de peso, o grupo de notívagos não fica muito para trás. Nomes como Winston Churchill, Carl Jung, Franz Kafka, Gustave Flaubert, Bob Dylan e Linus Torvalds completam a equipe das corujas. Assim, somente considerar as pessoas que acordam cedo como aqueles com sucesso é desprezar casos práticos e constatações conhecidas do outro lado da moeda.

 

Outro ponto bastante importante em considerarmos é que há profissões que requerem pessoas com capacidade de permanecer atentas e bem despertas à noite ou de madrugada. Você não iria querer, por exemplo, viajar de ônibus à noite sabendo que o motorista é uma pessoa diurna típica. E nem ia gostar tampouco de sofrer um acidente ou passar mal de madrugada e ser atendido no pronto socorro por um profissional sonolento.

 

É por essas e outras razões que parece ser insensata a afirmação de que um tipo é melhor do que o outro. Nós temos uma tendência a buscar racionalizar a vida e a determinar uma receita de sucesso que funcione para toda e qualquer pessoa, o que é simplesmente insano! Há de fato coisas que pessoas de sucesso fazem e pensam que, se fizermos igual, teremos também sucesso. Mas isso não quer dizer que não podemos ter nossas particularidades. Essa é a complexidade do ser humano! E penso que devemos celebrar essa diversidade e, ao mesmo tempo, esses pontos de convergência entre os mais de 7 bilhões de pessoas que vivem sobre a face da Terra. Entender esse paradoxo é importante para que tenhamos qualidade de vida e uma vida acima da mediocridade.

 

Falando em uma vida acima da mediocridade, estava ouvindo um podcast do Administradores com o Flávio Augusto da Silva, onde ele comentava que foi morar nos EUA bem quando a crise pegou para valer lá e aqui no Brasil a coisa estava bastante suave. Nós poderíamos muito bem falar para ele: “mas que coragem em ir para os EUA agora!”; ou então “por que sair do Brasil logo agora que a maré virou em nosso favor?”. Mas, olhando hoje, em pleno 2017, nós sabemos a tacada de mestre que ele deu, ainda mais se considerarmos o sucesso que o time de futebol que ele adquiriu em Orlando conquistou em tão pouco tempo.

 

Sem dúvida que o Flávio tem uma série de pensamentos e ações similares aos nossos. Mas ele também tem particularidades que o fazem se sobressair da multidão. Particularidades como um olhar crítico para identificar o que é questão momentânea do que é algo mais duradouro. Particularidades como um olhar crítico para saber o que as pessoas no geral estão fazendo ou pensando, mas que existe uma forma melhor de fazer ou pensar aquilo e que quase ninguém está enxergando.

 

Interessante como empreendedores de sucesso possuem um outro paradoxo: são ao mesmo tempo críticos e otimistas. É engraçado como a vida parece nos pregar uma peça, pois costumamos pensar em uma coisa “ou” a outra. Mas a vida nos demonstra que, às vezes, é uma coisa “e” também a outra. Nós achamos que a conjunção a ser empregada sempre é “ou”, mas a vida trata de esfregar na nossa cara que não somente é possível juntar duas coisas aparentemente opostas, como isso é recomendável por vezes.

 

Assim, no final das contas, se uma pessoa prefere acordar cedo ou mais tarde, pouco importa. Uma “e” a outra opção são boas, dependendo do que ela quer para a vida. A questão central é se ela está realmente focando no que é essencial para a vida dela. Ela está desperdiçando tempo, procrastinando, vivendo a vida dos outros, vivendo uma vida abaixo do seu potencial etc? Tanto faz se ela acorda cedo ou tarde.

 

Em última instância, penso que se a pessoa consegue produzir a mesma coisa durante as 24 h do dia, pouco importa se ela acorda às 5 h da manhã ou ao meio dia. O problema é que nossa sociedade ainda é estruturada de acordo com um regime de trabalho das 8 h às 17 h, herança da produção em massa, o que pode dificultar aos indivíduos adotarem horários muito diferentes daqueles. Um funcionário normalmente tem maior dificuldade em ter horários de trabalho diferentes desse horário convencional, mas um freelancer, por exemplo, tem maior liberdade de escolha em seus horários.

 

Nós podemos nos fazer uma provocação que, se de fato acordar cedo fosse fundamental para se ter sucesso (pelo menos, econômico), então um percentual considerável da população brasileira estaria num outro patamar em suas finanças.

 

Assim, a questão central não é se acordar cedo é fundamental ou não para uma vida de sucesso, mas se a pessoa tem conseguido ser produtivo e “essencialista” no seu dia a dia de trabalho. Daí, o que realmente é possível afirmar é que as pessoas que conseguem dormir poucas horas por noite e são produtivas e focadas no período em que estão acordadas, essas pessoas sim levam vantagem em relação às outras. Mas essas pessoas são uma parcela muito pequena da população.

 

Portanto, o dia tem 24 horas para todo o mundo e o como aproveitamos esses 1.440 minutos diários é o que nos fará ter mais sucesso ou não. Saber aquilo que você quer da vida (aquilo que é essencial para você) e ser focado e produtivo é o que vai te levar para um outro nível de vida.

 

É verdade que o pássaro madrugador come a minhoca, mas não podemos nos esquecer de que a minhoca madrugadora vira comida de pássaro.

Artur: Eu sou engenheiro formado na UNICAMP com MBA em Marketing e trabalho atualmente como Gerente de Mercado em uma empresa química alemã chamada Klüber Lubrication, pertencente ao Grupo Freudenberg. Sou Master Coach pelo Behavioural Coaching Institute (BCI) e Practitioner em Programação Neurolinguística (PNL) pela Sociedade Brasileira de PNL (SBPNL).